O natal chegou e eu fui lá pois sabia que Nice estaria lá sozinha, no feriado, provavelmente sem comer. Levei alguma comida mas para mim, eu tinha feito uma oração e pedido a Deus que levasse Ronaldinho antes de eu o ver pela última vez e me despedir. Não sou boa com despedidas. Mas quando cheguei, ele ainda não tinha ido embora. fui até seu canil. Ele não me recebeu com seus latidos insistentes e eu só reconheci meu velho amigo por balançar o rabo, pouco, mas balançava e seus olhos... seus olhos eram um ma de emoções que eu sabia bem identificar. Meu coração sentiu aquela mesma emoção de indignação e tristeza que eu sentia quase sempre quando um animal que sofre muito e demora de morrer me trás. Mas não era justo nem com ele nem comigo. Nós vivemos muitas alegrias e apesar de em 2016 eu ter sido relapsa, só eu sei como foi voltar ao que eu fazia e encontrá-lo exatamente alí, como sempre, me esperando. Perguntei a Nice onde estava a cadeirinha de rodas dele. Ela debruçou-se sobre o pequeno muro que divide as alas do canil e disse que ele não conseguiria andar nela. "Ele não consegue se levantar" foi a mensagem que chegou ao meu cérebro. Mas eu sabia, ele queria passear. E, afinal, para quê eu sirvo na Ama, se não para isso? Posso limpar canis, posso olhar a página da Ama, posso ir em eventos mas onde estava exatamente a minha essência na Ama? Os animais deficientes.Então, eu pedi a ela um cobertor. Se meu amigo queria passear, ele iria passear. O embrulhei como a um bebê, magérrimo e olhar triste. Parecia então haver entre nós uma simbiose de sentimentos: ele não queria ir embora e eu não queria que ele fosse.
Assim, embrulhado, eu saí com ele. O levei em vários lugares. O levei para ver os pés de boldos que ele gostava de pisar. Levei nas trilhas que ele gostava de fazer, abaixando para que ele tocasse as patas no chão, uma última vez. Quando por fim a tarefa estava difícil demais e eu senti que não conseguia mais, me sentei na esquina com ele no colo. Era dali que eu fiscalizava as corridas dele. O sol estava tão forte aquele dia. Então, o abracei e chorei, porque afinal, não há nada mais a se fazer, no final. E o que eu disse a ele, eu nunca vou esquecer.
- Desculpa a humana que chora o fim do seu sofrimento. Gostaria de estar feliz e desejar que você nasça bem. Que tenha suas patinhas de volta. Que não precise de um humano para de colocar em cadeirinhas.
Ele só me olhou. era a hora do adeus.
- Não retorne, Ronaldinho, para este mundo mal. Seja um bom menino.
Quando eu me afastei da Ama por causa de uma série de problemas pessoais, um dia eu resolvi voltar. Naquele dia de agosto, como hoje, Ronaldinho estava bem e alegre e caminhando, me mostrou um monte de flores de boldo. Eu peguei um pedacinho do boldo e plantei, para lembrar do dia e de como ele era responsável por me trazer de volta.
Hoje, tanto tempo depois que ele se foi e que eu me despedi dele e que ele de fato morreu dois ou três dias depois do passeio. eu tive como escrever sobre ele. Não apenas porque as flores de boldo de agosto voltaram a florir mas porque outra coisa muito curiosa aconteceu ha uns meses.
Foi resgatado e abrigado pela Ama um animal deficiente chamado Zezinho; quando o vi pela primeira vez, eu não acreditava naquilo. O cachorro preto de alguma forma muito estranha se parecia demais com Ronaldinho. Ele chora igual, ele tem o mesmo temperamento e uma coisinha bem distinta, os olhos dele eram muito familiares. Pensei logo q eu tinha tanta saudade de Ronaldinho que estava vendo coisas onde não existiam. Zezinho então saiu pra passear comigo. Fez as mesmas coisas que Ronaldinho fazia e correu até o boldo e ficou de lá, sorrindo. E eu parada a certa distância, encontrando uma resposta racional para aquilo. Nenhum animal se comportou como outro nesses 15 anos de Ama. NENHUM. Nenhum cachorro me obedeceu nos passeios... além de Ronaldinho e de Zezinho. Existia uma gentileza alegre, capaz de parar suas corridas malucas apenas porque eu dizia: volte aqui! Claro que eu acredito em reencarnação mas não estou certa de como isso se dá com os animais. Além disso, era muito injusto Ronaldinho voltar para o mesmo lugar! Então, descartei a hipótese. Só que, onde eu achava que só eu percebia semelhanças, as pessoas que conheceram Ronaldinho e conheceram Zezinho, elas próprias começaram a apontar suas inegáveis semelhanças. Isso sem falar na idade de Zezinho, que bate com a morte de Ronaldinho, com suas diferenças entre concepção, nascimento e sabe-se lá Deus o quê ele sofreu mais para chegar até ali.
Agora, o que eu posso fazer, além de agradecer? Porque se não for Ronaldinho, de toda sorte Zezinho me faz tão bem... e eu quero fazer o mesmo por ele.
Eu não tenho certeza que eles são o mesmo. A certeza que eu tenho é que os animais são fontes perenes de amor e que eu não me surpreenderia se Ronaldinho tivesse voltado. Sendo ele ou não, o fato é que Zezinho é uma parte do Sol que ilumina a minha vida e que os animais que se tornaram os nasceram deficientes não devem ter suas vidas abreviadas porque nós achamos que eles estão mal. Todos os animais deficientes que apareceram na Ama foram e são amados e cuidados com tudo que possa ser oferecido a eles, principalmente, por Nice, que me dá lições de amor aos animais ha mais de 15 anos e é a responsável por todos esses momentos. Isso só aconteceu porque nasceu primeiro no coração dela. E por isso, Nice, eu lhe serei eternamente grata e faria como talvez Ronaldinho fez, voltaria para estar na Ama mil vezes.
P.S: Nice é a presidente da Ama, em Vitória da Conquista, na Bahia.
Nenhum comentário:
Postar um comentário